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  • Foto do escritorGreison Borges

A polícia pode acessar conteúdos armazenados em aparelho celular (whats app) do investigado?

Análise sobre a (i)licitude dos elementos informativos obtidos pela polícia por meio de extração de dados e conversações em aparelho celular do investigado, sem autorização judicial.

Quem conhece a realidade dos inquéritos policiais brasileiros sabe que a polícia, em regra, não dispõe de condições tecnológicas e de pessoal adequadas para desempenhar uma boa investigação. Sabe também que não é incomum a reprovável prática de violação da intimidade do investigado e de terceiros, através da devassa de dados e arquivos pessoais constantes em aparelhos celulares, principalmente em casos de prisão em flagrante.


Fotos, vídeos, conversações de whats app, registros de ligações e outros elementos armazenados em aparelho celular são por vezes (em alguns casos, por muitas vezes!) averiguados, enfatize-se: sem autorização judicial! A pergunta que se faz é se isso é ou não permitido pelo direito pátrio. Pode a polícia, sem autorização judicial, acessar ou extrair dados e arquivos armazenados em aparelho celular do investigado?


Para responder a essa indagação analisaremos o que dispõe a legislação constitucional e infraconstitucional que rege a matéria, bem como o atual entendimento do Superior Tribunal de Justiça, firmado no RHC 51.531-RO.


Pois bem, o artigo do Código de Processo Penal estabelece deveres para a autoridade policial, dentre os quais o de, logo que tiver conhecimento da infração penal, “apreender os objetos que tiverem relação com o fato, após liberados pelos peritos criminais” (inciso II) e “determinar, se for o caso, que se proceda a exame de corpo de delito e a quaisquer outras perícias” (inciso VII).


Com base nisso há quem defenda que a Autoridade Policial, independentemente de autorização judicial, pode ter acesso a registros de dados e conversações armazenadas em aparelhos celulares dos investigados. Argumentam, ainda, que o acesso aos dados constantes em aparelho celular não encontra a mesma proteção das interceptações telefônicas, bem como que a autoridade policial assim agindo se encontra em estrito cumprimento de dever legal.


O recente e atual entendimento do Superior Tribunal de Justiça, entretanto, não admite esse verdadeiro “vale tudo investigatório” e se firma no sentido de que são nulas as "provas" obtidas pela polícia sem autorização judicial através da extração de dados e conversações registradas no aparelho celular e whats app do investigado, ainda que tal aparelho tenha sido apreendido no momento da prisão em flagrante delito. É o que concluiu por unanimidade a 6ª Turma do STJ no RHC 51.531-RO. Vejamos a ementa do julgado:


PENAL. PROCESSUAL PENAL. RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. TRÁFICO DE DROGAS. NULIDADE DA PROVA. AUSÊNCIA DE AUTORIZAÇÃO JUDICIAL PARA A PERÍCIA NO CELULAR. CONSTRANGIMENTO ILEGAL EVIDENCIADO. 1. Ilícita é a devassa de dados, bem como das conversas de whatsapp, obtidas diretamente pela polícia em celular apreendido no flagrante, sem prévia autorização judicial. 2. Recurso ordinário em habeas corpus provido, para declarar a nulidade das provas obtidas no celular do paciente sem autorização judicial, cujo produto deve ser desentranhado dos autos. (STJ. 6ª Turma. RHC 51.531-RO, Rel. Min. Nefi Cordeiro, julgado em 19/4/2016

A posição do STJ nos parece ser a mais consentânea com a Constituição da República e com as leis infraconstitucionais deste país, tendo em vista que o regramento da matéria, tanto constitucional quanto infraconstitucional, assegura os direitos fundamentais à privacidade, à intimidade e à inviolabilidade do sigilo das correspondências e das comunicações, bem como exige prévia autorização judicial para que a polícia possa ter acesso aos registros, dados e conversações telefônicas do investigado.


Com efeito, dispõe o art. , X, da CF/88 que “são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas (...)”. Em complemento, determina o inciso XII do mesmo dispositivo que “é inviolável o sigilo da correspondência e das comunicações telegráficas, de dados e das comunicações telefônicas, salvo, no último caso, por ordem judicial, nas hipóteses e na forma que a lei estabelecer para fins de investigação criminal ou instrução processual penal


A legislação infraconstitucional, regulamentando a matéria, dispõe expressamente, nos termos do Art. da Lei 9.294/96 (Lei das Interceptações Telefônicas) que

A interceptação de comunicações telefônicas, de qualquer natureza, para prova em investigação criminal e em instrução processual penal, observará o disposto nesta lei e dependerá de ordem do juiz competente da ação principal, sob segredo de justiça. (...)

A Lei n. 9.472/97 (Lei das Telecomunicações), por sua vez, prescreve no seu Art. que "o usuário de serviços de telecomunicações tem direito: V - a inviolabilidade e ao segredo de sua comunicação, salvo nas hipóteses e condições constitucional e legalmente previstas;

Em arremate, a Lei 12.965/14 (Marco Civil da Internet), que estabelece os princípios, garantias e deveres para o uso da Internet no Brasil, prevê no seu art. que"o acesso à internet é essencial ao exercício da cidadania, e ao usuário são assegurados os seguintes direitos:

I - inviolabilidade da intimidade e da vida privada, sua proteção e indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação;

II - inviolabilidade e sigilo do fluxo de suas comunicações pela internet, salvo por ordem judicial, na forma da lei;

III - inviolabilidade e sigilo de suas comunicações privadas armazenadas, salvo por ordem judicial;


Ve-se, portanto, que as normas constitucionais e infraconstitucionais protegem o direito fundamental à privacidade e a garantia do sigilo das comunicações de dados e telefônicas. Por outro lado, a exigência da prévia autorização judicial não prejudica as investigações, pois, se for o caso, a autorização judicial permitirá a realização de perícia no aparelho apreendido. As provas obtidas através da devassa de dados não autorizada pelo judiciário, portanto, são ilícitas, nulas, e devem ser desentranhadas dos autos.

Sob esse enfoque, pontuou o Exmo. Sr. Min. Relator NEFI CORDEIRO, no RHC 51.531-RO do STJ:


“Atualmente, o celular deixou de ser apenas um instrumento de conversação pela voz à longa distância, permitindo, diante do avanço tecnológico, o acesso de múltiplas funções, incluindo, no caso, a verificação da correspondência eletrônica, de mensagens e de outros aplicativos que possibilitam a comunicação por meio de troca de dados de forma similar à telefonia convencional. Deste modo, ilícita é tanto a devassa de dados, como das conversas de whatsapp obtidos de celular apreendido, porquanto realizada sem ordem judicial.”


No mesmo sentido, a eminente Sra. Ministra Maria Theresa de Assis Moura asseverou que

“(...) Tais aparelhos multifuncionais contém hoje, além dos referidos dados, fotos, vídeos, conversas escritas em tempo real ou armazenadas, dados bancários, contas de correio eletrônico, agendas e recados pessoais, histórico de sítios eletrônicos visitados, informações sobre serviços de transporte públicos utilizados etc. Enfim, existe uma infinidade de dados privados que, uma vez acessados, possibilitam uma verdadeira devassa na vida pessoal do titular do aparelho. É inegável, portanto, que os dados constantes nestes aparelhos estão resguardados pela cláusula geral de resguardo da intimidade, estatuída no artigo , X, da Constituição. (...)”


Em voto vista do professor de processo penal e jurista Ministro Rogério Schietti Cruz, este pontuou, inclusive, que tal contexto jurídico tem sido debatido também no direito comparado, eis que recentemente a Suprema Corte dos Estados Unidos reconheceu a necessidade de ordem judicial prévia para que os policiais possam, após a realização de uma prisão ou de uma busca e apreensão, acessar os dados mantidos em um aparelho celular (caso Riley vs. California, 573 U. S. 2014).


A situação, aliás, se assemelha a da quebra de sigilo de correio eletrônico, a qual, conforme já havia entendido o mesmo STJ, depende de autorização judicial (HC 315.220/RS), sendo, inclusive, até mais grave, eis que nas conversações mantidas pelo programa whats app a forma de comunicação escrita é imediata entre os interlocutores e pode guardar dados da intimidade de dezenas ou até de centenas de pessoas, terceiros investigados ou não.


Diante disso, em que pese as discussões que já existem e que certamente passarão a se acirrar, atualmente prevalece no direito brasileiro que para que a autoridade policial possa ter acesso a dados constantes em aparelho celular do investigado, dentre os quais os de aplicativos whats app, se faz necessária prévia autorização judicial, ainda que o investigado tenha sido preso em flagrante delito.


Fonte: www.jusbrasil.com.br


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